quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Liberdade Roubada

Há 40 anos Sérgio Godinho lançava a canção "Liberdade", em que dizia que "só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde e educação (...) a liberdade de mudar e decidir, quando pertencer ao povo o que o povo produzir". Em 40 anos tivemos um leve cheiro dessa liberdade que, especialmente nos últimos anos, nos tem sido roubada pelos sucessivos governos. Por exemplo, em Maio (altura em que comecei a escrever esta letra) falava-se do novo código ética que pretendia calar médicos que denunciassem as condições em que trabalhavam nos hospitais e casos em que doentes saíssem prejudicados devido à falta de recursos decorrente das políticas de austeridade. Nas últimas semanas, uma revista de sociologia foi cancelada e um debate numa faculdade em Coimbra foi proibido por ser ideológico. Junto com esta censura encapotada o próprio pão e a habitação têm sido retiradas a muita gente, enquanto a saúde e a educação têm levado sucessivos cortes. Mas isto é assim só para alguns, porque quem rouba e afunda bancos vê os crimes prescrever. A liberdade que existe é só para alguns. Obviamente que assim não há paz com esta "Liberdade Roubada".

A censura acordou
De cara lavada
Mascarada de ética,
Toda muito aperaltada.

“A saúde está bem!”
Diz o mentiroso bem alto
Enquanto morre mais um
E ele combina o assalto.

Eles cortam nos salários,
Cortam nos serviços,
Despedem funcionários…
São os compromissos.

“O país está bem,
As pessoas pior”.
Explique lá de que país fala
Senhor legislador?

Refrão:
A paz já nos tiraram
Quando chamaram o ladrão,
Com o pão que nos roubaram
Não dá para ter educação.
A saúde que me resta
Mantêm-se com a habitação,
Se me tirarem a casa
Vai haver revolução!

No corte e costura
De quem tem milhões
Corta-se tecido aos pobres,
Oferece-se roupa aos ladrões

De colarinho branco
E gravata ao peito,
O Estado assume a dívida
E ele passeia satisfeito.

É multado e condenado
A pena suspensa,
Mas o processo prescreve
Enquanto recorre da sentença.

Já o debate na faculdade,
A crítica na revista,
É demasiada liberdade
Para o director fascista.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Entre dois copos de cerveja

Já há algum tempo que não escrevo músicas, ou não acabo as que tenho na gaveta. No meio disso, saiu esta, chamada "Entre dois copos de cerveja". A ideia surgiu depois das últimas férias de natal que passei em Lagos, em que o assunto da maioria das conversas passava inevitavelmente pelo desemprego, procura de emprego e acabava sempre com a malta a dizer "estou a pensar ir embora" e outras variantes. Por isso decidi escrever uma música que retratasse esse estado de espírito e a sangria da emigração.

Chegaram as férias
E as noites mal dormidas
Entre dois copos de cerveja
Fala-se da vida.

Reencontros são confrontos
De experiências passadas,
Receitas frustradas
Para vidas penhoradas

Refrão:
“Então como estás?
O que fazes agora?”
“Estou à procura de emprego
E a pensar ir para fora.”

Meio cheio vai o copo
Meio vazio
Dessa vida curva e torta
Ao sabor de um rio

E não anda nem desanda
A merda de um emprego
Nem o raio do impulso
Acalma o desassossego

Refrão:
“Mais estágio, menos estágio,
É igual lá fora,
Mas se quero almoçar
Tenho que ir embora.”

Vejo amigos, conhecidos,
Sempre o mesmo assunto,
P’ra quem fala da retoma
Parece um defunto,

O país do turismo
E das exportações
O que mais exporta são precários
A contar tostões.

Refrão:
E arrasta-se a noite,
Devia ir embora.
Preciso de apanhar ar,
Vou dar um salto lá fora.

E arrasta-se a noite,
Devia ir embora
Que estou à procura de emprego
E a pensar ir para fora.

E arrasta-se a noite,
Tenho que ir embora.
Preciso de apanhar ar,
Vou dar um salto lá fora.

E arrasta-se a noite,
Tenho que ir embora,
Porque quero almoçar
E só me deixam lá fora.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Pouco temos p'ra cantar

Escrevi esta música já há dois anos e foi o nome dela que me deu a ideia do nome para o blogue. Chama-se "Pouco temos p'ra cantar".

Um leve desconforto
Sussurra ao ouvido
Num temido reencontro
De conversa sem sentido.

Em cima da mesa
Os restos da refeição
Relembram a incerteza
Do que foi outrora opção.

O vinho entornado
Realça a ironia
De um discurso marcado
P’la saudade e nostalgia.

Entre sobremesas e licores
Escapam-se segredos e confissões
A surpresa dos sabores
De sentimentos e paixões.

Refrão:
Desencontrados, talvez,
No meio desta canção
Sem princípio nem fim,
A saltar o refrão.

O falsete na tua voz,
A guitarra a trastejar
Vão gritando que nós
Pouco temos para cantar.


Entre o café e um bombom
Cresce o receio e o embaraço,
No silêncio ouve-se o som
De quem teme dar o primeiro passo.

Perdidos nesta atmosfera
De emoções a destoar
Prolongamos demais a espera
E damos por nós ao luar

Numa noite de verão
Com brisa de inverno
Que atormenta o coração
Qual chama de inferno.

No meio desse calor
Vai-se o frio da amargura
Desse desgosto de amor,
Mas é sol de pouca dura…

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Ler sem Receber

Música nova sobre o dia-a-dia de um estagiário. Dedico-a a todos aqueles que são obrigados a fazer um estágio profissional para poderem exercer uma profissão, aos que sem alternativa estão nesta condição e a todos os que estão em estágios altamente precários. Em falta de nome melhor, chama-se "Ler sem Receber".

Mais uma tarefa
Acumulada que não é tua,
O sol queima,
O ar sufoca e a rua

Teima em chamar
Quem não se pode mexer
De uma sala a apertar
Com o chão a correr

Devagar, num ritmo irritante,
Constante a sensação
De que a vida é um instante
Que passou sem ter noção

Por aqui estar sem saber
Se vale a pena o cansaço
De não saber o que fazer.

Num misto de tédio e ansiedade
Lá a manhã se faz tarde
Sem nada de novo acontecer.

Aponto as horas no caderno rabiscado,
Dou um berro indignado
"O que é que estou a aprender?"

Calo o berro e o remorso acrescido
De me terem convencido
Que escravatura é viver.

Engulo em seco,
Afasto as minhas lágrimas,
São só mais umas páginas
Para ler sem receber.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Compasso

Quando comecei a escrever esta letra era com o objectivo de ser sobre o Gerês, sítio onde tenho ido nos últimos fins-de-semana. Ao escrever acabei por alterar o sentido que lhe queria dar inicialmente, acabando por expressar mais um desejo de sossego, em contraste com as preocupações do dia-a-dia em dias em que o calor sufoca, como os das últimas semanas. A música chama-se "Compasso".

A visão de um rio frio,
Calmo e sadio
Numa tarde de Verão,

Pura imaginação,
Miragem vil, delírio juvenil
No meio do betão,

No início da semana,
Quando o ar sufoca
E o vento já não me engana.

Refrão:
Que o tempo parece que não passa e arranha
E o trabalho não dá pr’a comprar a senha
Do almoço que não sobra para o jantar
E os transportes que não param de aumentar…

A visão da natureza,
Esperança acesa
Em dias de calor.

Em dias sem sabor,
Um desvario, um calafrio,
Perde-se o fulgor

Mesmo antes da festa
E só o rio que corre,
Só esse é que refresca.

Refrão:
Que o tempo parece que não passa e arranha
E o trabalho não dá pr’a comprar a senha
Do almoço que não sobra para o jantar
E os transportes que não param de aumentar
São mais um passo no meio desta dança
Num compasso que desespera pela mudança.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Sopas e Tostas

A ideia para esta letra (como a de muitas que publiquei neste blogue) não veio de notícias felizes. Ao lembrar-me de uma notícia do Correio da Manhã (se não estou em erro) que falava de uma família que sobrevivia a sopas e tosta, lembrei-me de escrever sobre a miséria que assola o país devido à austeridade aplicada. A letra chama-se, exactamente, "Sopas e Tostas".


Trabalhar a vida inteira
Para na terra enterrar
O futuro de um filho
Que não dá para sustentar.

O fruto de uma vida escrava
Caiu podre no chão
E a esmola que é dada
Não chega p’ra comprar pão.

O que sobra da casa
Nem dá para comer
Umas sopas e tostas
Para tentar preencher

O vazio no estômago
Que aperta o coração,
Que no fundo do seu âmago
Crê que a vida é uma ilusão.

(Refrão)
Mais um furo no cinto
Mais um dia sem sal
É viver no labirinto
Da sociedade desigual.

O dia é frio, a noite é escura
Não ajuda a adormecer
A luz da vela é uma amargura
Que não dá para aquecer.

A água dos canos
Quando vem é gelada
E não lava os enganos
De uma existência atraiçoada.

(Refrão)

E disseram que se aguenta,
Um dia na televisão,
Esquecem-se que quem os sustenta
Não é da mesma condição

E a miséria que os assola
Nem tem comparação
Com a de quem se mata e esfola
Pela próxima refeição.

(Refrão)

quarta-feira, 20 de março de 2013

Amor por aprender

Partilho um poema antigo para o qual fiz recentemente uma música. Chama-se "Amor por aprender"

Andava em busca de casa
Estrada à frente, pó, mais nada
Até que cheguei a uma encruzilhada
Duas casas, uma entrada,
Sem saber qual escolher.

Uma segreda-me ao ouvido,
A outra tem um leve ruído
Escuto ambas, estremecido,
Sem saber em qual viver.

A primeira canta-me melodias,
A segunda encanta-me com manias
E apesar do passar dos dias
Não sei quem vai vencer.

Uma consciente, outra tonta
Conta-me histórias como quem conta
A história como uma afronta
À sua maneira de ser.

Por isso aguardo sossegado,
Um amor em cada lado,
Nesta sina do meu fado,
O amor por aprender.